O Que Fazer Diante do Atraso na Entrega do Imóvel?
A decisão de adquirir um imóvel na planta representa um dos maiores investimentos na vida de um indivíduo ou família, carregado de expectativas e planejamento. Contudo, a frustração surge quando a construtora falha em cumprir o prazo acordado, configurando o temido atraso na entrega do imóvel pela construtora. Este cenário, infelizmente comum no mercado imobiliário brasileiro, desencadeia uma série de incertezas e prejuízos para o comprador.
Este artigo tem como objetivo principal fornecer um guia completo e atualizado, em conformidade com a Nova Lei dos Distratos (Lei nº 13.786/2018), para todos aqueles que enfrentam ou desejam se prevenir contra essa situação. Abordaremos detalhadamente seus direitos, as formas de indenização cabíveis e o passo a passo para garantir que seus interesses sejam integralmente resguardados.
Se o seu contrato foi assinado a partir de dezembro de 2018, esta leitura é fundamental para entender as regras vigentes sobre indenização por atraso na entrega do imóvel e rescisão contratual.
O Prazo de Tolerância de 180 Dias: Entenda a Regra e Suas Exceções

O primeiro ponto a ser analisado ao se deparar com um possível atraso é a validade e a aplicação da Cláusula de Tolerância. Esta cláusula, prevista na legislação, concede às construtoras um período adicional para a conclusão da obra, visando absorver imprevistos comuns na construção civil.
O que diz a Lei sobre a Tolerância?
A Nova Lei dos Distratos consolidou o entendimento de que a construtora pode utilizar um prazo de tolerância de 180 dias corridos para a entrega do imóvel, a contar da data inicialmente estipulada no contrato. No entanto, a validade dessa prorrogação está condicionada a requisitos estritos:
1.Expressa Previsão Contratual: A cláusula de tolerância deve estar clara, expressa e destacada no contrato de compra e venda. A ausência dessa previsão torna o prazo de entrega original o único válido.
2.Prazo Máximo: O período de tolerância não pode, em hipótese alguma, ultrapassar os 180 dias corridos. Qualquer prazo superior a este é considerado abusivo e nulo de pleno direito.
3.Contagem em Dias Corridos: A contagem deve ser feita em dias corridos, e não em dias úteis, conforme entendimento pacificado na jurisprudência.
Atraso Configurado: O atraso só é legalmente configurado a partir do 181º dia após o término do prazo de tolerância. A partir desse momento, a construtora entra em mora e o comprador passa a ter o direito de exigir as penalidades e indenizações previstas em lei.
A Tese do “Caso Fortuito” ou “Força Maior”
É comum que construtoras tentem justificar o atraso na entrega do imóvel alegando “caso fortuito” ou “força maior”, mencionando situações como chuvas intensas, escassez de materiais, falta de mão de obra ou problemas com fornecedores.
No entanto, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que esses fatos fazem parte dos riscos normais da atividade da construção civil, e portanto já estão contemplados no prazo de tolerância contratual de 180 dias.
A construtora só pode ser isentada de responsabilidade em situações absolutamente imprevisíveis e inevitáveis, como desastres naturais de grande proporção ou fatos extraordinários alheios à sua gestão, o que, na prática, é extremamente raro.
Direitos do Comprador: As Duas Opções Legais

Depois que acaba o prazo de tolerância de 180 dias, o atraso na entrega do imóvel fica oficialmente configurado. A partir daí, o comprador tem duas opções principais, previstas na Lei dos Distratos (Lei nº 13.786/2018).
Opção A – Exigir que a construtora entregue o imóvel e pagar uma indenização pelo atraso
Se o comprador ainda quiser receber o imóvel, mesmo com o atraso, ele pode exigir que a obra seja concluída e, ao mesmo tempo, pedir uma indenização pelo período em que ficou esperando sem poder usar o bem.
Essa indenização é chamada de lucros cessantes, e serve para compensar o comprador pelo prejuízo que teve durante o atraso, como, por exemplo, o aluguel que precisou pagar em outro lugar ou o valor que deixou de receber caso alugasse o imóvel.
Lucros Cessantes: O valor da indenização
A lei prevê que o valor da indenização seja de 1% ao mês sobre o total pago à construtora, contando a partir do 181º dia de atraso até o dia em que o imóvel for realmente entregue.
Mas é importante saber que esse 1% não é o máximo que a construtora pode pagar, e sim o mínimo. Se o comprador conseguir provar que teve prejuízos maiores, como gastos extras com aluguel, mudança ou financiamento, o juiz pode aumentar o valor da indenização.
Exemplo prático detalhado:
Imagine que você comprou um apartamento na planta com entrega prevista para 10 de janeiro de 2022, e o contrato prevê uma tolerância de 180 dias. Com esse prazo adicional, a construtora teria até 10 de julho de 2022 para entregar o imóvel sem estar em atraso.
Suponha que, até essa data, você já tenha pago R$ 100.000,00 à construtora. A partir de 11 de julho de 2022, começa a contagem do atraso.
De acordo com a Lei dos Distratos (Lei nº 13.786/2018), o comprador tem direito a uma indenização de 1% ao mês sobre o valor efetivamente pago enquanto o imóvel não é entregue.
Nesse exemplo, isso representa R$ 1.000,00 por mês de atraso (1% de R$ 100.000,00).
Se o imóvel ainda não foi entregue até 3 de novembro de 2025, o atraso totaliza 39 meses, resultando em:
R$ 1.000,00 × 39 meses = R$ 39.000,00.
Esse valor deve ser corrigido monetariamente para compensar a perda do poder de compra com o tempo. E mesmo que o comprador já tenha ingressado com ação judicial, a indenização continua sendo acumulada mês a mês até a efetiva entrega das chaves.
Opção B: Rescisão Contratual por Culpa da Construtora (Devolução Integral)
Quando o atraso na entrega é excessivo e o comprador perde a confiança ou o interesse na continuidade do negócio, é possível solicitar a rescisão do contrato por culpa exclusiva da construtora.
Nessa situação, a lei e a jurisprudência do STJ são claras em proteger o consumidor. O comprador tem direito à devolução integral de todos os valores pagos, incluindo a comissão de corretagem, devidamente corrigidos monetariamente. Além disso, é possível requerer a multa contratual em favor do comprador, prevista no próprio instrumento de compra e venda, pela inexecução do contrato.
Prazo para Devolução – Súmula 543 do STJ
Conforme estabelece a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça, quando a rescisão ocorre por culpa da construtora, a devolução das parcelas pagas pelo comprador deve ser feita de forma imediata, ou seja, à vista e sem parcelamento.
Exemplo prático: Rescisão por culpa da construtora com devolução integral:
Imagine que você comprou um apartamento na planta no valor de R$ 400.000,00, com entrega prevista para 10 de janeiro de 2024 e prazo de tolerância de 180 dias, ou seja, até 10 de julho de 2024.
Durante o contrato, você pagou:
- R$ 40.000,00 de entrada
- R$ 80.000,00 em parcelas
- R$ 20.000,00 de comissão de corretagem
Até o momento da rescisão, o total desembolsado foi de R$ 140.000,00.
Mesmo após o prazo final (10/07/2024), a construtora não entregou o imóvel, e o atraso já passa de um ano.
Diante disso, você decide rescindir o contrato por culpa da construtora.
Veja como funciona:
- Devolução integral dos valores pagos
Como a culpa é da construtora, você tem direito à devolução total do que pagou, incluindo a comissão de corretagem, tudo corrigido monetariamente.
→ R$ 140.000,00 corrigidos. - Multa contratual em favor do comprador
Suponha que o contrato preveja uma multa de 10% sobre o valor total do imóvel em caso de descumprimento pela construtora.
→ 10% de R$ 400.000,00 = R$ 40.000,00 - Dano moral pelo atraso excessivo
Como o atraso ultrapassou um ano, causando frustração, insegurança e prejuízo pessoal, é possível pleitear uma indenização por dano moral.
→ R$ 10.000,00 - Forma de devolução
Conforme a Súmula 543 do STJ, como a culpa é da construtora, a devolução deve ser imediata e integral, sem parcelamento.
No total, você teria direito a receber:
- R$ 140.000,00 (valores pagos, corrigidos)
- R$ 40.000,00 (multa contratual)
- R$ 10.000,00 (indenização por dano moral)
Total: R$ 190.000,00, pagos à vista, como forma de compensar integralmente o prejuízo pelo atraso injustificado da construtora.
(Vale lembrar que a correção monetária continua incidindo durante todo o período de um eventual processo judicial, o que faz com que o valor final a receber aumente ao longo do tempo, podendo ser substancialmente maior, a depender do caso.)
É possível suspender o pagamento das parcelas?

Quando o comprador de um lote em loteamento ou de um imóvel na planta enfrenta atraso na entrega do empreendimento, é comum surgir a dúvida sobre o que fazer, especialmente em relação às parcelas que ainda estão sendo pagas.
Nesses casos, quando o comprador decide ingressar com o pedido de rescisão contratual (distrato), é possível solicitar ao juiz uma liminar para suspender os pagamentos. Essa medida evita que o comprador continue arcando com parcelas de um imóvel ou lote que não foi entregue no prazo combinado.
O que isso significa, na prática?
A liminar é uma decisão judicial provisória, concedida logo no início do processo, bem antes da sentença final.
Seu objetivo é proteger o comprador de prejuízos imediatos, garantindo equilíbrio e segurança enquanto a ação principal (o distrato) ainda está em análise.
No contexto de atraso na entrega, essa medida pode suspender as parcelas devidas à construtora ou loteadora, impedindo negativação do nome, juros por inadimplência e cobranças indevidas.
Com a liminar concedida, o comprador fica temporariamente dispensado de realizar os pagamentos, o que traz alívio financeiro e permite que ele se concentre na solução definitiva do caso.
Um exemplo prático:
Um de nossos clientes, Alfredo, havia adquirido um lote em um loteamento e, após sucessivos atrasos nas obras, optou por rescindir o contrato.
Ingressamos com a ação de distrato e, logo no início, solicitamos a suspensão das parcelas. Pouco tempo depois, o juiz concedeu a liminar, interrompendo as cobranças e garantindo que Alfredo não fosse penalizado por um atraso causado pela própria empresa.
Embora a liminar não resolva o caso de forma definitiva, ela é um passo fundamental para proteger o comprador que busca rescindir o contrato e impedir que continue pagando por algo que ainda não foi entregue.
A boa notícia é que os tribunais têm reconhecido com frequência esse tipo de pedido, assegurando aos compradores de loteamentos e imóveis na planta mais segurança, tranquilidade e equilíbrio durante o processo de distrato.
A Questão dos Juros de Obra

Os juros de obra são valores cobrados pelo agente financeiro durante a fase de construção do imóvel, antes da entrega das chaves. Esses juros servem para remunerar o capital emprestado ao comprador enquanto o imóvel ainda está em construção.
Cobrança Indevida Após o Atraso
A cobrança dos juros de obra é considerada legal enquanto a construtora está dentro do prazo contratual de construção, incluindo o prazo de tolerância de 180 dias.
No entanto, a partir do momento em que esse prazo se encerra e a construtora não entrega o imóvel, a cobrança passa a ser indevida.
Nessa hipótese, o comprador tem direito ao ressarcimento integral de todos os valores pagos a título de juros de obra após o 180º dia de tolerância.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento de que a construtora deve arcar com esses encargos, pois o atraso na entrega decorre exclusivamente de sua responsabilidade.
Em resumo, o consumidor não pode ser obrigado a arcar com juros de obra por um atraso que não foi causado por ele, mas sim pela construtora.
Nessas situações, a empresa é quem deve assumir integralmente esses valores e restituir ao comprador tudo o que foi cobrado indevidamente, com a devida correção monetária.
Indenização por Danos Morais: Quando é Cabível?

O simples atraso na entrega do imóvel, por si só, não é suficiente para gerar indenização por dano moral. O STJ entende que o descumprimento contratual, em regra, gera apenas aborrecimento e não dano moral indenizável.
Contudo, o dano moral pode ser reconhecido em situações excepcionais que demonstrem uma lesão a direitos da personalidade ou uma situação de extrema angústia e sofrimento que ultrapasse o mero dissabor. Exemplos de situações que podem justificar o dano moral:
- Atrasos Excessivamente Longos: Atrasos superiores a um ano, sem justificativa plausível.
- Imóvel para Moradia: Quando o atraso impede a mudança para a primeira moradia, forçando o comprador a arcar com aluguéis ou a morar em condições precárias.
- Eventos Específicos: Atraso que frustra eventos importantes, como casamento ou o nascimento de um filho, para os quais o imóvel era destinado.
Nesses casos, é necessário comprovar o nexo causal entre o atraso e o sofrimento extraordinário.
Passo a Passo Estratégico para o Comprador

A ação imediata e estratégica é crucial para proteger seus direitos. Siga os passos abaixo:
1.Análise Contratual: Verifique a data de entrega original e a existência e validade da cláusula de tolerância de 180 dias.
2.Documentação: Reúna todos os comprovantes de pagamento, o contrato, e-mails e qualquer comunicação oficial da construtora sobre o andamento da obra.
3.Notificação Formal: Após a configuração do atraso, notifique formalmente a construtora (por e-mail com AR ou carta registrada) sobre a mora e manifeste sua opção (Opção A – Lucros Cessantes e entrega, ou Opção B – Rescisão e devolução integral).
4.Busca por Assessoria Jurídica Especializada: Este é o passo mais importante. Um advogado especialista em Direito Imobiliário poderá:
- Calcular o valor exato da indenização devida (Lucros Cessantes e Juros de Obra).
- Analisar a viabilidade do pedido de Dano Moral.
- Ingressar com a Ação Judicial cabível, seja para exigir a entrega com indenização, seja para pleitear a rescisão com devolução integral.
Conclusão: A Importância da Ação Jurídica
O atraso na entrega do imóvel pela construtora não deve ser aceito passivamente.
A Nova Lei dos Distratos e a jurisprudência do STJ oferecem mecanismos sólidos para proteger o comprador e equilibrar a relação contratual.
Não se contente com propostas de acordo desvantajosas. Buscar um profissional qualificado é essencial para garantir a indenização justa pelos prejuízos e pela frustração causados pela mora da construtora.
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Perguntas Frequentes (FAQ) sobre Atraso na Entrega de Imóvel
1. O que é a Nova Lei dos Distratos e como ela afeta o atraso na entrega?
A Nova Lei dos Distratos (Lei nº 13.786/2018) regulamentou as regras para a rescisão de contratos de compra e venda de imóveis na planta. Em relação ao atraso, ela formalizou o prazo de tolerância de 180 dias e estabeleceu o piso de 1% do valor pago como indenização mensal (Lucros Cessantes) para o comprador que optar por manter o contrato.
2. O que são Lucros Cessantes e como são calculados?
Lucros Cessantes são a indenização devida ao comprador pelo período em que ele foi impedido de usufruir do imóvel devido ao atraso da construtora. Pela Nova Lei, o valor é de 1% sobre o montante efetivamente pago à construtora até a data do atraso, por mês de mora.
3. Posso pedir a rescisão do contrato e receber 100% do valor pago?
Sim, se o atraso na entrega do imóvel for superior a 180 dias (contados após o prazo de tolerância), a rescisão é considerada por culpa exclusiva da construtora. Neste caso, o comprador tem direito à devolução integral (100%) de todos os valores pagos, com multa contratual e corrigidos monetariamente.
4. A construtora pode alegar chuvas ou falta de material para justificar o atraso?
Não. O entendimento majoritário do STJ é que fatores como chuvas, greves, escassez de mão de obra ou problemas com fornecedores são considerados riscos inerentes à atividade da construtora e já deveriam estar previstos no prazo de 180 dias de tolerância. A construtora só se exime da responsabilidade em casos de força maior ou caso fortuito externo, o que é raro.
5. O que acontece com os Juros de Obra após o atraso?
Os Juros de Obra (ou Juros no Pé) são devidos durante a construção. No entanto, se a construtora atrasa a entrega, a cobrança desses juros após o 180º dia de tolerância torna-se indevida. O comprador tem o direito de ser ressarcido pela construtora por todos os valores pagos a esse título após o prazo final de entrega.
6. É possível receber indenização por Dano Moral?
O Dano Moral não é automático. Ele só é cabível em situações que demonstrem uma lesão a direitos da personalidade ou um sofrimento que vá além do mero aborrecimento contratual. Atrasos longos (acima de 1 ano) ou que comprovadamente frustrem um evento importante (como casamento) são exemplos onde o Dano Moral pode ser reconhecido judicialmente.
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