Imagine a cena: você está de férias, relaxando em um paraíso tropical. O sol brilha, a brisa do mar acaricia seu rosto, e a única preocupação é escolher o próximo drink. De repente, uma abordagem simpática. Um convite irrecusável para conhecer um empreendimento incrível, com a promessa de um brinde ou um voucher de combustível.
Parece inofensivo, certo? Mal sabe você que, para muitos, esse é o primeiro passo em direção a um pesadelo financeiro e emocional.
Essa é a realidade de milhares de brasileiros que, seduzidos pela ideia de ter um pedacinho do paraíso, acabam assinando contratos de multipropriedade sem a devida clareza e, muitas vezes, sob forte pressão.
O que era para ser a realização de um sonho de férias, transforma-se em uma fonte constante de preocupação, parcelas a pagar e promessas não cumpridas. Se você se identifica com essa situação, saiba que não está sozinho. E o mais importante: existe uma saída. É possível rescindir seu contrato de multipropriedade e, em muitos casos, recuperar integralmente o dinheiro investido.
Neste artigo, vamos desvendar as táticas por trás da venda de multipropriedades, explicar seus direitos como consumidor e mostrar o caminho para o distrato, ou seja, o cancelamento do contrato. Prepare-se para entender como a lei e a jurisprudência estão ao seu lado para transformar esse pesadelo em alívio e justiça.
O Cenário da Venda de Multipropriedade: Táticas e Armadilhas que Podem Viciar Sua Vontade

Você já se perguntou por que a venda de multipropriedades raramente acontece em um escritório tradicional, com tempo para análise e reflexão? A resposta é simples: o ambiente de venda é parte fundamental da estratégia. O relato de um de nossos clientes, que nos procurou recentemente, ilustra perfeitamente essa dinâmica:
“Fomos abordados na rua na praia de Pipa em torno das 17h, ofereceram um voucher de combustível para assistir uma apresentação. Ficamos em uma sala com várias mesas, em cada uma tinha um ou dois vendedores falando das vantagens e benefícios da multipropriedade. Estávamos em família, eu e minha esposa, meus pais e os pais dela. Nos ofereceram 3 cotas. Ficamos mais de 3 horas na sala, estávamos cansados, com fome e preocupados com o horário, pois tínhamos que voltar para Natal. Depois de muita insistência nos convenceram a compras as cotas.”
Essa descrição não é um caso isolado; é um padrão. As incorporadoras e empresas de multipropriedade utilizam táticas de marketing agressivas e ambientes cuidadosamente orquestrados para induzir o consumidor à compra imediata. Veja algumas das armadilhas mais comuns:
- Abordagem em Locais Turísticos: Acontece em momentos de lazer, quando o consumidor está relaxado e menos propenso a desconfiar. A oferta de brindes ou vouchers serve como isca para levá-lo ao “stand de vendas”.
- Ambiente de Pressão e Emoção: As apresentações são realizadas em salas com música alta, aplausos, e a presença de vários vendedores e outros potenciais compradores. A ideia é criar um clima de euforia e urgência, onde a decisão é tomada pela emoção, não pela razão.
- Longas Horas de Negociação: É comum que as reuniões durem horas, exaurindo o consumidor física e mentalmente. Cansaço, fome e a preocupação com outros compromissos diminuem a capacidade de análise crítica e resistência à pressão.
- Técnicas de Persuasão e Coação Psicológica: Vendedores treinados utilizam técnicas de PNL (Programação Neurolinguística) e gatilhos mentais para criar um senso de oportunidade única e escassez. A pressão para “fechar o negócio agora” é intensa, muitas vezes com a alegação de que a oferta é válida apenas para aquele momento.
- Foco nos Benefícios e Omissão de Riscos: A apresentação foca exclusivamente nas vantagens da multipropriedade (férias garantidas, rentabilidade, flexibilidade), minimizando ou omitindo os custos, as taxas de manutenção, as restrições de uso e a dificuldade de locação ou revenda.
Todo esse cenário tem um nome no direito do consumidor: vício de consentimento, ou mais especificamente, venda emocional. A lei entende que um contrato só é válido se a vontade das partes for livre e consciente.
Quando a decisão de compra é tomada sob coação, dolo (engano intencional) ou erro substancial, o contrato pode ser anulado ou rescindido. A jurisprudência brasileira tem sido cada vez mais rigorosa com essas práticas, reconhecendo que a vulnerabilidade do consumidor nesse contexto é real e que sua vontade pode ser facilmente viciada.
É por isso que muitos tribunais têm decidido a favor do adquirente, garantindo a rescisão e a devolução dos valores pagos.
As Promessas Que Não Se Cumprem: Quando a Publicidade Enganosa Vira Realidade

Além da pressão no momento da venda, outro fator que leva muitos consumidores ao arrependimento é a não concretização das promessas feitas pelos vendedores. Nosso cliente, por exemplo, relatou:
“As vantagens comerciais que nos apresentaram no momento da compra não foram reais. Informaram que poderíamos locar a semana de uso por mais de 8 mil reais, que poderia ser cadastrado no Airbnb. Mas este ano, após o empreendimento pronto fui me informar sobre a locação da semana e fui informado que a locação era feita somente pelo pool de locação, mas no momento o pool de locação não está funcionando. Ou seja, vou perder a semana deste ano.”
Essa é uma queixa recorrente. Muitas vezes, a decisão de compra é fortemente influenciada pela expectativa de rentabilidade ou pela facilidade de uso do imóvel. No entanto, a realidade se mostra bem diferente. As promessas mais comuns que se revelam enganosas incluem:
- Rentabilidade Garantida ou Elevada: Vendedores prometem que o imóvel em multipropriedade pode gerar uma renda significativa com aluguéis, muitas vezes superando o valor das parcelas e taxas. Na prática, a rentabilidade é baixa ou inexistente, e a locação é muito mais difícil do que o prometido.
- Facilidade de Locação em Plataformas como Airbnb: A possibilidade de anunciar a semana de uso em plataformas populares como Airbnb é um grande atrativo. Contudo, muitas vezes, o contrato proíbe ou restringe essa prática, ou a própria administradora do empreendimento dificulta a locação independente.
- Funcionamento Eficiente do “Pool de Locação”: Para justificar a dificuldade de locação individual, as empresas oferecem um “pool de locação”, onde a administradora se encarrega de alugar as semanas dos proprietários. O problema é que, como no caso do nosso cliente, esse pool pode não funcionar, ser ineficiente ou simplesmente não existir, deixando o proprietário sem a possibilidade de rentabilizar seu investimento.
- Disponibilidade de Datas e Flexibilidade de Uso: A promessa de que o proprietário terá total liberdade para usar sua semana quando quiser, ou que a troca de datas será simples, muitas vezes não se concretiza. A alta demanda, a burocracia e as restrições contratuais podem tornar a utilização do imóvel um desafio.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é claro: o fornecedor tem o dever de informar o consumidor de forma clara, precisa e adequada sobre todas as características do produto ou serviço, incluindo seus riscos e condições de uso. A publicidade, por sua vez, não pode ser enganosa ou abusiva, ou seja, não pode induzir o consumidor a erro sobre a natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
Quando as promessas feitas no momento da venda não correspondem à realidade, ou quando informações cruciais são omitidas, estamos diante de um caso de publicidade enganosa e descumprimento do dever de informação.
Isso configura uma falha grave por parte da empresa, que pode justificar a rescisão do contrato por sua culpa exclusiva. Nesses casos, o consumidor tem o direito de reaver integralmente os valores pagos, corrigidos e com juros, além de possíveis indenizações por perdas e danos.
Seus Direitos: A Lei e a Jurisprudência a Seu Favor

Diante de um cenário de venda agressiva e promessas não cumpridas, muitos consumidores se sentem desamparados e sem saída. No entanto, é fundamental saber que a legislação brasileira, especialmente o Código de Defesa do Consumidor (CDC), e a jurisprudência dos tribunais superiores estão ao seu lado. Você não precisa aceitar o prejuízo.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC): Seu Escudo Legal
O CDC é a principal ferramenta de proteção do consumidor no Brasil. Ele estabelece uma série de direitos e garantias que visam equilibrar a relação entre fornecedores e consumidores, que é, por natureza, desigual. No contexto da multipropriedade, alguns princípios do CDC são cruciais:
- Direito à Informação Clara e Adequada (Art. 6º, III): Como já mencionamos, o fornecedor é obrigado a fornecer todas as informações relevantes sobre o produto ou serviço de forma clara, precisa e ostensiva. A omissão ou a prestação de informações falsas ou enganosas configura violação a esse direito.
- Proteção Contra Publicidade Enganosa e Abusiva (Art. 37): A publicidade que induz o consumidor a erro é proibida. Se as promessas feitas na venda não se concretizam, a empresa pode ser responsabilizada.
- Nulidade de Cláusulas Abusivas (Art. 51): O CDC considera nulas as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, ou que restrinjam direitos fundamentais.
- Responsabilidade Objetiva do Fornecedor (Art. 14): O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Desistência por Iniciativa do Comprador: Quais são as Regras?
É importante diferenciar a rescisão por culpa da empresa da desistência por iniciativa do próprio comprador. Se, por motivos pessoais e sem que haja falha da incorporadora, você decidir cancelar o contrato, as regras para devolução dos valores mudam. Nesse cenário, a empresa tem o direito de reter parte do que foi pago para cobrir despesas administrativas e de comercialização.
Com base na jurisprudência e na Lei do Distrato (Lei nº 13.786/2018), as retenções geralmente seguem estes parâmetros:
- Multa Contratual: A empresa pode reter uma multa, que a justiça entende como razoável até o limite de 25% dos valores pagos. Percentuais acima disso são frequentemente considerados abusivos e podem ser revistos judicialmente.
- Comissão de Corretagem: O valor pago pela comissão de corretagem pode ser retido, desde que essa condição esteja claramente informada e destacada no contrato.
- Taxa de Fruição: Caso o imóvel já tenha sido entregue e você tenha tomado posse, pode ser cobrada uma taxa pelo tempo de uso (fruição), geralmente calculada em 0,5% ao mês sobre o valor do contrato. Atenção: A cobrança dessa taxa antes da entrega das chaves é ilegal.
- Despesas do Imóvel: Taxas de condomínio e IPTU só são de sua responsabilidade após a entrega da unidade. Qualquer cobrança anterior a esse marco é indevida.
Após a aplicação das retenções permitidas, o restante do valor pago deve ser devolvido em parcela única e com a devida correção monetária. A devolução parcelada é uma prática considerada abusiva pelo Superior Tribunal de Justiça.
É crucial entender que, mesmo na desistência por sua iniciativa, as cláusulas de retenção não podem ser excessivas. Se você se deparar com multas de 50% ou mais, ou com a recusa na devolução dos valores, saiba que essas práticas são ilegais e podem ser contestadas na justiça. O objetivo da lei é garantir o equilíbrio, impedindo que a empresa tenha um enriquecimento indevido às custas do consumidor.
A Súmula 543 do STJ: A Chave para a Restituição Integral

Um dos entendimentos mais importantes para quem busca a rescisão de um contrato de compra e venda de imóvel, incluindo a multipropriedade, é a Súmula 543 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa súmula é um marco na proteção do consumidor e estabelece de forma clara as regras para a devolução de valores em caso de rescisão contratual:
“Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”
O que isso significa para você?
Essa súmula é fundamental porque diferencia a forma de restituição dos valores pagos dependendo de quem deu causa à rescisão do contrato:
Rescisão por Culpa da Empresa (Vendedora/Construtora): Se a rescisão ocorre por falha da empresa (como vício de consentimento, publicidade enganosa, descumprimento do dever de informação, atraso na entrega da obra, ou qualquer outra falha contratual), o consumidor tem direito à restituição integral e imediata de todos os valores pagos, incluindo entrada, parcelas e eventuais taxas. É o que buscamos no caso do nosso cliente, onde a venda emocional e as promessas não cumpridas configuram culpa da incorporadora.
Rescisão por Iniciativa do Comprador (Sem Culpa da Empresa): Se o comprador decide rescindir o contrato por motivos pessoais, sem que haja culpa da empresa, a restituição será parcial. Nesses casos, a jurisprudência tem permitido que a empresa retenha um percentual dos valores pagos para cobrir despesas administrativas, geralmente entre 10% e 25%. No entanto, mesmo nesses casos, a devolução deve ser feita em parcela única, e não de forma parcelada.
Por que a Súmula 543 é tão importante no seu caso?
No cenário que descrevemos – venda sob pressão e promessas enganosas – a rescisão do contrato não é por sua simples vontade de desistir, mas sim por uma falha grave da empresa. A venda emocional vicia seu consentimento, e a publicidade enganosa viola seu direito à informação. Ambos os cenários configuram culpa da vendedora, o que, pela Súmula 543 do STJ, garante a você o direito à restituição integral de tudo o que foi pago.
O Caminho para o Distrato: Como Agir e o Papel do Advogado Especialista

Se você se identificou com as situações descritas e sente que foi vítima de uma venda emocional ou de promessas enganosas, saiba que o primeiro passo para reverter essa situação já foi dado: você está buscando informação.
Agora, é hora de agir. O processo de distrato de um contrato de multipropriedade pode parecer complexo, mas com a orientação correta, é totalmente possível recuperar seu investimento e sua tranquilidade.
Primeiros Passos:
1.Reúna Toda a Documentação: O contrato assinado, comprovantes de pagamento (entrada e parcelas), e-mails, mensagens, folhetos de publicidade, gravações (se houver) – tudo o que você tiver relacionado à compra é importante. Quanto mais provas, mais forte será seu caso.
2.Analise o Contrato: Embora a análise jurídica detalhada seja papel do advogado, é útil que você leia seu contrato com atenção. Procure por cláusulas sobre rescisão, multas, condições de uso e locação. Muitas vezes, as promessas verbais não estão no contrato, ou as condições são diferentes do que foi prometido.
3.Não Assine Nada Sem Orientação: A incorporadora pode tentar negociar um distrato amigável, oferecendo uma devolução parcial dos valores ou impondo multas abusivas. Cuidado! Não assine nenhum documento sem antes consultar um advogado especialista. Você pode estar abrindo mão de direitos importantes.
Por Que um Advogado Especialista é Indispensável?
Embora você possa tentar uma negociação direta com a incorporadora, a experiência mostra que as chances de sucesso, especialmente na restituição integral dos valores, são mínimas. As empresas estão preparadas para lidar com essas situações e, muitas vezes, contam com equipes jurídicas robustas.
É aqui que entra o papel crucial de um advogado especialista em direito imobiliário e do consumidor, com experiência em casos de multipropriedade.
Um advogado especializado irá:
Analisar seu Caso Detalhadamente: Ele identificará os vícios e falhas no seu contrato e na forma como a venda foi conduzida, construindo a melhor tese jurídica para o seu caso (vício de consentimento, publicidade enganosa, descumprimento contratual, etc.).
Negociar com a Incorporadora: Com o conhecimento jurídico necessário, o advogado poderá negociar de igual para igual com a empresa, buscando um acordo que garanta a restituição máxima dos valores pagos, sem que você precise ir à justiça.
Ingressar com Ação Judicial: Caso a negociação amigável não seja frutífera, o advogado ingressará com a ação judicial cabível, buscando a rescisão do contrato e a restituição integral dos valores, com base na Súmula 543 do STJ e na legislação consumerista. Ele cuidará de todos os trâmites processuais, garantindo que seus direitos sejam protegidos.
Proteger Seus Interesses: O advogado será seu defensor, garantindo que você não seja lesado por cláusulas abusivas ou por táticas de negociação desleais. Ele buscará não apenas a devolução do dinheiro, mas também a reparação por eventuais danos morais e materiais.
Não enfrente essa batalha sozinho. A complexidade do direito imobiliário e do consumidor, aliada às táticas agressivas das incorporadoras, exige um profissional ao seu lado. Buscar ajuda especializada é o caminho mais seguro e eficaz para recuperar seu investimento e sua tranquilidade.
Conclusão: Recupere Seu Investimento e Sua Tranquilidade

O sonho da multipropriedade, para muitos, se transformou em um pesadelo de dívidas, promessas não cumpridas e frustração. No entanto, como vimos, você não está desamparado. A legislação brasileira e a jurisprudência dos nossos tribunais estão cada vez mais atentas às práticas abusivas no mercado de multipropriedade, garantindo que o consumidor lesado possa rescindir seu contrato e reaver o dinheiro investido.
Se você foi vítima de venda emocional, publicidade enganosa ou descumprimento contratual, saiba que seus direitos podem ser garantidos. Não permita que um contrato malfeito ou uma promessa vazia roubem sua paz e seu dinheiro. O caminho para o distrato é real e acessível, especialmente quando você conta com o apoio de profissionais qualificados.
Não perca mais tempo e dinheiro. Se você está enfrentando problemas com seu contrato de multipropriedade, entre em contato conosco. Nossa equipe de advogados especialistas está pronta para analisar seu caso, identificar a melhor estratégia jurídica e lutar para que você recupere seu investimento e sua tranquilidade.
Sua história pode ter um final feliz, com a justiça ao seu lado.
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